A morte do editor
Por Luiz Schwarcz
O tema mais discutido no momento no mercado editorial, principalmente nos Estados Unidos, é o self-publishing:
as publicações digitais feitas diretamente pelos autores, sem a
participação de qualquer editora. Em português, podemos chamá-las de
“edições independentes”, ou “auto-edições”, numa tradução mais literal.
Recentemente, o jornal inglês The Guardian divulgou que 28% dos livros da lista de mais vendidos do New York Times eram oriundos do tal self-publishing.
Do jeito que a coisa vai, não tardarão as matérias sobre a “morte dos
editores”, manifestações e movimentos, tipicamente americanos, por no-publishers ou algo do gênero.
Acho que o tema dá o que pensar e vale ser tratado com a maior
isenção possível. (O Publishnews acaba de publicar uma matéria sobre o
mesmo assunto, que você pode ler aqui. Escrevi este post antes de ler o artigo, e resolvi manter como estava.)
O sucesso extraordinário de livros que surgiram de auto-publicações como Cinquenta tons de cinza (traduzido e lançado no Brasil pela Intrínseca), ou Toda sua (em breve nas livrarias brasileiras pela Editora Paralela), tem agitado o mercado editorial.
Não se trata ainda de discutir a divisão dos direitos autorais nos
livros digitais, assunto igualmente polêmico, mas de pensar se
caminhamos para um mundo sem livros físicos e, por conseguinte, sem
editoras. A Amazon, a mais forte vendedora de livros eletrônicos no
mundo, incentiva com veemência o movimento de auto-publicação. Além
dela, uma série de outras empresas especializadas na prestação de
serviços para autores que visam esse fim surgiram nos últimos tempos e
vêm realizando um movimento financeiro digno de nota.
Imagino que o leitor desta coluna espere de mim uma crítica ao
self-publishing, e uma defesa do papel do editor no mundo contemporâneo.
Talvez decepcionarei parcialmente a alguns, pelo que se segue:
Se, por um lado, mais do que acredito, eu espero que o livro físico
não venha a deixar de existir, por outro entendo que o mundo se abre
enormemente com as publicações digitais independentes. Hoje em dia, é
fácil e barato ter um livro publicado. Sendo esse o desejo de boa parte
dos mortais, qual o mal em ver sonhos realizados, em tornar acessível o
poder de expressão da maneira mais livre e direta? Durante meus anos de
aluno de graduação na FGV fui fascinado pelas teorias anarquistas de
representação política direta, que conheci nas aulas de um professor
generoso chamado Maurício Tragtenberg. Na época, minhas leituras
favoritas iam dos anarquistas russos a Foucault e Goffman, críticos das
instituições que se interpunham entre os homens, e do forte teor de
disciplinarização inerente a elas. Embora meus gostos políticos e
literários tenham mudado com o tempo, não tenho como não ver com bons
olhos um mundo de publicações diretas, de leitores que se transformam
facilmente em autores e divulgam suas ideias livremente.
No entanto, em se tratando da literatura mais elaborada, imaginar um
mundo sem editores não é muito bom. O trabalho do editor sério, como
profissional especializado na ligação entre autor e leitor, melhora a
qualidade dos livros em vários sentidos. Num mundo sem esse elo, os
livros ofertados pela novas possibilidade eletrônicas aumentarão
sensivelmente, o que é positivo, mas certamente perderemos em qualidade
de texto e reflexão. O leitor deixará de ter um guia importante para as
suas escolhas de leitura, e o autor ficará sem seu maior aliado.
Além disso, no campo dos livros mais populares — onde os maiores fenômenos do self-publishing
acontecem —, as vendas se multiplicaram significativamente depois que
os lançamentos deixaram de ser feitos de maneira independente e passaram
a fazer parte do catálogo das grandes editoras. Nesse caso, houve pouca
contribuição para a melhoria dos textos por parte dessas editoras, que
pescaram os sucessos espontâneos e apenas lhes deram novas roupagens. No
entanto, o incremento das vendas se deu em espiral natural mas também
pelo bom trabalho de marketing da Knopf Doubleday, que publicou Fifty shades após a edição independente, e da Berkley, que fez o mesmo com Bared to you.
Outra razão surpreendente do aumento das vendas pós self-publishing é a
ligação entre as edições digitais e de papel. Por incrível que possa
parecer, em vez de competirem por um mesmo mercado, uma edição ajuda a
outra. Parte dos leitores do livro digital compra também a edição em
papel.
Se uma parcela dos editores dedica grande parte do seu trabalho para a
descoberta de livros de puro entretenimento, isto é, para encontrar o
que a grande massa de leitores quer ler, o alto índice de sucessos que
surge das publicações espontâneas coloca em dúvida a eficiência do
mercado editorial, principalmente de língua inglesa. Quem se
auto-publica ou teve seu livro recusado por vários editores ou não
conseguiu chegar a eles ou, o que é ainda pior, não confiou nos
profissionais do ramo.
Vale também refletir sobre uma piora gradativa na qualidade literária
dos livros que têm atingido esses enormes índices de leitura. Serão
estes nocivos à propagação da boa literatura, ou, pelo contrário,
funcionarão como porta de entrada de um novo público que não
alcançávamos? Um livro mais elaborado, mesmo que de leitura fácil,
encontra hoje maiores dificuldades para entrar nas listas de mais
vendidos, preenchidas por livros de apelo mais imediato. Pioraram os
livros, pioraram os editores comerciais ou pioramos todos? Uma visão
mais otimista seria a de que, com o livro digital, apenas aumentou a
oferta à disposição do leitor.
Todas essas dúvidas me parecem procedentes e podem tirar um pouco do
sono dos que gostam de literatura e querem encontrar um lugar no mundo
editorial que parece vir por aí. Não pretendo ter respostas imediatas,
apenas compartilhar questões, afinal, esses são temas complexos e novos
para todos. Se um mundo sem editores for melhor para os leitores e para a
literatura, convido desde já todos que leem este blog para a festa da
minha aposentadoria, quando celebraremos a vitória da “literatura
direta”! Nessa ocasião, nós editores teremos de ser modestos e entender
que nossos dias ficaram no passado.
Temo, porém, que nesta ocasião sentiremos uma grande nostalgia da
época em que a literatura era verdadeiramente vigorosa, a ponto de
exigir tempo para ser escrita, discutida, trabalhada e só então
publicada.
Fonte: http://www.blogdacompanhia.com.br/ (postado em 23/08/2012)
Fonte: http://www.blogdacompanhia.com.br/ (postado em 23/08/2012)
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